Setembro Amarelo traz novas reflexões em meio à pandemia
Psicóloga conta como surgiu esta iniciativa, dá dicas para perceber o ‘perigo’, entre outras observações
Assim como cada mês tem sua cor, em alerta à conscientização de alguma doença, o de setembro é amarelo, em sinal da importância de prevenção ao suicídio.
Com o isolamento social a que a pandemia ‘obrigou’ as pessoas, é necessário uma atenção maior, pois ficar sozinho pode mexer com sentimentos e, em alguns casos, provocar melancolias – um exemplo disso é o do ator Flávio Migliaccio.
A psicóloga Betânia Alves Veiga Dell’ Agli, que é docente do UniFAE e coordenadora da LEPES/UniFAE (Laboratório de Estudos, Pesquisa e Extensão do Suicídio), cita que dados da OMS (de 2016) revelam que a taxa de suicídio no Brasil é 6,5 por 100 mil habitantes, sendo que os homens têm taxa maior que as mulheres.
“Considerando que há um aumento de tentativas e suicídios após eventos extremos, o isolamento social obrigatório torna-se um fator de risco, sim. É importante considerar que 51% dos casos de suicídio acontecem dentro de casa e muitos comportamentos suicidas estão associados à depressão, ao transtorno de humor bipolar, dependência de álcool e outras drogas, esquizofrenia e certos transtornos de personalidade. Esses quadros podem se agravar com a pandemia”, enfatiza Betânia.
Contudo, a psicóloga pondera que deve-se considerar que o suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial.
“Um estudo recente de 2020 aponta que alguns fatores podem estar relacionados a um possível aumento dos casos como medo, isolamento, solidão, desesperança, acesso reduzido a suportes como comunitário, espiritual/religioso e de saúde mental. Outro estudo de 2020 aponta para os estressores financeiro, violência doméstica e o aumento do uso de drogas e álcool. O cenário de pandemia pode potencializar o sofrimento e, por esse motivo, medidas protetivas são essenciais”, observa ela.
POR TRÁS DAS APARÊNCIAS
Muitas vezes, após receber a notícia de alguém conhecido se suicidou, é comum o espanto, pois se tratava de alguém que parecia tão bem e até mesmo feliz.
Betânia revela que existem comportamentos que merecem atenção e são diferentes em crianças e adolescentes, adultos e idosos.
“É importante dizer que o suicídio é raro na infância, devido à compreensão da morte que se inicia por volta dos 7 anos de idade, mas pode ocorrer. No adulto, devemos ficar atentos ao isolamento afetivo e sentimentos de solidão, desamparo, desesperança, autodesvalorização, crise existencial, aquisição de meios para morrer de suicídio, exposições a situações de risco. Com os idosos, devemos ficar atentos também com o isolamento e desinteresse pela família, negativa para atender as ligações ou chamadas de vídeo, queixas frequentes de dores no corpo, perda de apetite, dificuldades para dormir e de memória, preocupação com a morte e ficar atentos a frases do tipo ‘eu estaria melhor morto’, ‘não quero ser um peso para vocês’, ‘é melhor você não ter que se preocupar comigo’. É bom lembrar que todos esses sintomas que citei e que merecem atenção podem ocorrer como tentativas de adaptação, mas negligenciá-los e minimizá-los pode ser um problema e desconsiderar, um sinal de grande angústia”, detalha a psicóloga.
COMO AJUDAR
Como Betânia salienta, é possível e necessário ajudar pessoas com o quadro acima descrito.
“No caso da pandemia, nossa escuta deve ser ainda mais atenta. As orientações são sempre as mesmas: não duvidar, desqualificar ou minimizar o sentimento de desejo de morte, não fazer julgamentos, mas compreender o sofrimento, ter uma escuta cuidadosa sem apontar culpados e causas. E pedir ajuda de especialistas. São algumas sugestões que podemos fazer no âmbito familiar, mas não podemos deixar de ressaltar ações mais amplas, que envolvem as mídias e políticas governamentais para diminuir os impactos financeiros por exemplo”, acentua.
Outras dicas que ela deixa são que as pessoas se façam presentes, por meio de ligações de vídeos, preencham seu dia com atividades e busquem grupos de apoios virtuais, que permitem compartilhar e validar a dor, favorecer a expressão de pensamentos e sentimentos sem julgamentos, despertando um senso de pertencimento e apoio, além de criar uma rede de suporte social.
“Sugestão de grupos de apoio e suporte ao luto por suicídio, consulte o site www.posvencaodosuicidio.com.br. Além disso, o mapa da saúde mental traz uma lista de locais de atendimentos voluntário on-line no site www.mapasaudemental.com.br. Não esquecer também do CVV no número 188 ou no site: www.cvv.org.br”, finaliza Betânia.
COMO SURGIU O SETEMBRO AMARELO
A campanha Setembro Amarelo foi iniciada no Brasil em 2015, por inciativa do Centro de Valorização da Vida (CVV), fixando o dia 10 de setembro como data da busca pela conscientização e prevenção ao suicídio.
A cor amarela, por sua vez, vem de um caso de suicídio ocorrido nos Estados Unidos, em 1994, quando Mike Emme, um jovem de 17 anos, conhecido por sua personalidade caridosa, tirou sua própria vida, em seu Mustang amarelo, o qual ele havia restaurado e pintado dessa cor.
No dia do seu funeral, uma cesta de cartões com fitas amarelas e uma mensagem escrita ‘Se precisar, peça ajuda’, feitas por seus amigos, ficou disponível a quem desejasse pegar.
Seus pais, Dale Emme e Darlene Emme, deram início ao programa de prevenção ao suicídio ‘fita amarela’ ou, em inglês, ‘Yellow Ribbon’. A data 10 de setembro foi instituída pela OMS para ser o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio e a cor escolhida foi a do Mustang de Mike.